quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Diletantismo

1.  O frio geometriza as coisas** (...) perder-me no nevoeiro tendo em vista a concretude da cidade (...) à tarde, a delicadeza das fachadas contra o horizonte selvagem da planície o emocionou (...) Uma moeda na areia grossa, formigas miúdas, folhas de figueira, tudo era aparição. O grito das crianças e o latido dos cachorros podiam ser tocados (...) Tirou esta rua de seu pensamento e agora avança por ela (...) Seus olhinhos amanhecidos evitam a noite que se demora nos meus (...) Um acordeom, como tudo entre nós, não era simplesmente um acordeom (...) Quando parecia não haver restado nada, ali estava eu (...) ante-salas do dia, forros inatingíveis, paredes indistintas que se abrem (...) a um só tempo, projeção em minha mente e onde minha mente se projeta (...) E dentro de mim a tempestade já desabou do outro lado do rio (...) brindamos, um de cada vez, à extensão, à nitidez, à profundidade (...) por expressar uma voz íntima, essencial (...) Anaxímenes afirmava que o condensado da matéria é frio (...) que se opõem a todo o excesso, a toda a redundância (...) E a música me convidava a seguir seu traçado vermelho e sinuoso de escaiola (...) Satolep revelada na radicalidade dos ângulos retos, infalível como o relógio alemão na torre sobre o Mercado, espalhando-se ao redor como um argumento inexorável, não comporta seu coração em desordem, sua mente turbilhonada (...) Blau Nunes me pusera tão nos longes que eu nem vira anoitecer (...) cerração, crepúsculo, noite sem lua (...) como um selvagem que estivesse ali desde antes de toda simetria (...) aquela paisagem, altamente definida, parecia aguçada. As coisas abrigavam-se em si mesmas (...) despidas de qualquer ornamento que pudesse obscurecê-las (...) Acerquei-me dele num bordoneio lento, repetitivo, emocional (...) densidade e espaços vazios combinados (...) vozes e palavras saindo da sugestão sonora da melodia (...) suas intervenções deslizando na troca sutil de acordes (...) A cidade toda, com suas ruas retas e planas, dava vazão à harmonia. (...) A descrição objetiva revelou-se uma arquitetura ao mesmo tempo densa e rarefeita, na qual minha atenção se descolava do concreto e era absorvida pelas texturas dos vazios (...) outra vez a paisagem da milonga, poucos elementos num espaço desmedido (...) Só o futuro era certo, o passado era uma contingência (...) simetria é onde a assimetria se esconde e se afirma (...) era eu entre as palavras (...) treinando os olhos na detecção dos sólidos para que minhas lágrimas tenham conteúdo (...) instante daquela luz, luz daquele instante (...) uma travessia por entre coisas que nunca tiveram nome (...) Estamos a caminho de expressar a transição, entre os países do Prata e o Brasil, que é este lugar e que somos nós (...) A caminho de uma estética do frio (...) palavras que continuavam dando voltas (...) No horizonte aberto, onde tudo era exposição (...) Olhos que não dão descanso (...) Depois andei até a casa, repetindo o avanço em contraponto (...) O som metálico propagou-se com uma beleza inesperada na vastidão quieta (...)  Nascer leva tempo.

 Vitor Ramil

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