quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Para amar uma ruiva

Por Camila Fernandes

Para amar uma ruiva é preciso haver coração de sobejo.
Não que as ruivas não se amem facilmente. Na verdade, é comum que sejam amadas por muitos. Basta às vezes um só olhar para que isso aconteça.
É que, uma vez acesa a chama, nunca será pequena; será sempre fogo denso, impiedoso, inquisidor.
Portanto, para amar uma ruiva é preciso saber queimar. É preciso brincar sem medo com fogo. E é preciso também respeitá-lo – o fogo que nasce no crânio da ruiva feito cabelo, que lhe afogueia as faces. Um fogo que, quando afrontado, em lugar de aquecer, incinera.
Judas tinha cabelos vermelhos, diz-se; como Esaú também os tinha, e antes dele, Caim. Waterhouse pintou Lamia, lenda de sedução, com cabelos vermelhos; as madeixas com que a Vênus de Boticcelli cobre languidamente o sexo não são de outra cor que não a do fogo. Cor que é certamente um sinal de perigo. Sinal claro de divindade.
Para amar uma ruiva é preciso fitá-la intensamente nos olhos – sejam azuis do mar, verdes dos fiordes ou, mais raramente, castanhos como a terra que os consumirá – e provar-lhe a ausência do medo. Conquistá-la no olhar primeiramente, e só depois no toque – pois tu certamente quererás tocar a pele muito, muito clara, de uma claridade quase ofuscante, mesmo sob o sol maldoso dos trópicos. Quererás isso como teus pulmões querem o ar. Eu sei porque já quis.
Mas, antes disso, terás de provocar seu sorriso, e embora sorrisos sejam fáceis na boca-morango da ruiva, não penses que serão todos teus. Alguns serão da tua tolice, da tua presunção, e estes ela te dará sem cerimônia, sem promessa, sem futuro. Serão paina ao vento, macios e inúteis. O sorriso que queres tomar da ruiva é o do fascínio. Pois ela, que fascina, não quer outra coisa que não ser fascinada. Ela é chama, e para incendiar deve ser alimentada com palavras hábeis, coração honesto, virilidade sem disfarces. É preciso atrevimento, mas nunca certeza; ela é amada por muitos, e pode escolher a quem amar.
Então, quando obtiveres esse sorriso, estarás pronto para amar uma ruiva.
Para isso, começa sempre no beijo, mas que ele não seja sempre nos lábios-cereja, porque o óbvio a mortifica e ela deseja a surpresa, o ato que lhe faça justiça. Que teu beijo, pois, seja às vezes na superfície interna do pulso, onde veias de sangue azul chamam o olhar e provam que a pele é sensível; às vezes, no canto esquecido abaixo da orelha, que não é nem pescoço nem face, nem amor nem desejo – é algo entre mundos, e estar entre mundos é da natureza da mulher de cabelos carmesim, cobre ou dourado-fogo. Fica, pois, entre os mundos dela, como entre os lábios, entre os braços, entre os seios e afinal entre as coxas. Sem pressa, porém; pois para amar uma ruiva é preciso queimar como boa madeira no inverno: por toda uma noite, aquecendo a casa, crepitando baixo, estremecendo sempre até as cinzas.
Para amar uma ruiva é necessário amar-lhe cada sarda, da testa ao ventre, saboreando-as como raspas de canela que temperam a pele-leite.
É preciso consumir-se nos cabelos-labareda.
É preciso afogar-se no sexo, rubro jardim sem espinhos, e santificar seu aspecto perpetuamente virginal, a despeito do pecado, que ela te ensinará a adorar, se já não souberes.
Para amar uma ruiva – e disso sei por já ter amado muitas – é preciso arder com graça.
É preciso amar um pouco o próprio inferno.
Por isso, ruiva, se é que deves mesmo me ferir, sê breve: tenho pressa do paraíso.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Salinha

O cheiro é meu alfabeto.

Esqueço nomes, não apago cheiros. Esqueço rostos, não abandono cheiros.

O cheiro é minha memória.

Não há como repetir certas fragrâncias: a da merendeira, por exemplo. Precisaria alternar maçãs e bananas, reeditar a porção certa de queijo, de manteiga e de mortadela dos sanduíches preparados pela mãe, refazer a umidade precisa do guardanapo que envolvia o pão e derramar o Nescau na hora de desenroscar a pequena térmica, durante cinco anos seguidos, para alcançar algo parecido.

O cheiro me explica, o cheiro é que me puxa. Revisei os principais cheiros de minha vida – o do cabelo de minha mulher após o banho, o do estojo de lápis de cor, o do balcão do armazém do Seu Zé, o do lençol novo de hotel, o de estofado de carro zero, o do forro das gavetas – depois de visitar a Escola Estadual Leopoldo Tietbohl, em Porto Alegre.

Entrei na biblioteca para uma palestra, e respirei fundo o ambiente das prateleiras de metal, das cartolinas e do universo retangular das mesas e cadeiras creme.

Levei um soco do vento, um solavanco.

Foi uma nebulização mais do que um acesso nostálgico.

Eu tenho uma biblioteca imensa, tenho amigos com bibliotecas imensas, pais com bibliotecas imensas, mas nenhuma delas tem um cheiro semelhante ao da biblioteca da escola.

As residências exalam um olor de visita, de horário marcado. Uma lufada impessoal de escritório, lustra-móveis, ar-condicionado. Apesar das estantes forradas e do convívio familiar, não é o cheiro da salinha de livros do colégio.

Não identifico o que existe de diferente. Mas vejo, sinto, confirmo a diferença.

Será que a passagem de milhares de alunos muda a textura das paredes? Que cheiro é aquele? Uma mistura de ventilador, de mimeógrafo, de papel secando, de bala azedinha... Um cheiro inexplicável, doce e salgado ao mesmo tempo, como alguém que mastiga bolacha de sal e bebe refrigerante.

Todas as bibliotecas de todas as escolas do mundo têm o mesmo cheiro. Pode ser a pressa das vozes ou as mãos suadas dos alunos nas páginas ou a combinação entre avental e uniforme ou a caneta bic falhada na ficha catalográfica ao final dos volumes ou a manta da bibliotecária ou seus suspiros por um amor platônico.

Ou pode ser que não entreguei algum livro emprestado e agora pago multa com as palavras.
 
 
Fabrício Carpinejar

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A arte de produzir fome

Adélia Prado me ensina pedagogia. Diz ela: “Não quero faca nem queijo; quero é fome”. O comer não começa com o queijo. O comer começa na fome de comer queijo. Se não tenho fome é inútil ter queijo. Mas se tenho fome de queijo e não tenho queijo, eu dou um jeito de arranjar um queijo…
Sugeri, faz muitos anos, que, para se entrar numa escola, alunos e professores deveriam passar por uma cozinha. Os cozinheiros bem que podem dar lições aos professores. Foi na cozinha que a Babette e a Tita realizaram suas feitiçarias… Se vocês, por acaso, ainda não as conhecem, tratem de conhecê-las: a Babette, no filme “A Festa de Babette”, e a Tita, em “Como Água para Chocolate”. Babette e Tita, feiticeiras, sabiam que os banquetes não começam com a comida que se serve. Eles se iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir fome…
Quando vivi nos Estados Unidos, minha família e eu visitávamos, vez por outra, uma parenta distante, nascida na Alemanha. Seus hábitos germânicos eram rígidos e implacáveis.
Não admitia que uma criança se recusasse a comer a comida que era servida. Meus dois filhos, meninos, movidos pelo medo, comiam em silêncio. Mas eu me lembro de uma vez em que, voltando para casa, foi preciso parar o carro para que vomitassem. Sem fome, o corpo se recusa a comer. Forçado, ele vomita.
Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim “affetare”, quer dizer “ir atrás”. É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado.
Eu era menino. Ao lado da pequena casa onde morava, havia uma casa com um pomar enorme que eu devorava com os olhos, olhando sobre o muro. Pois aconteceu que uma árvore cujos galhos chegavam a dois metros do muro se cobriu de frutinhas que eu não conhecia.
Eram pequenas, redondas, vermelhas, brilhantes. A simples visão daquelas frutinhas vermelhas provocou o meu desejo. Eu queria comê-las.
E foi então que, provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar se pôs a funcionar. Anote isso: o pensamento é a ponte que o corpo constrói a fim de chegar ao objeto do seu desejo.
Se eu não tivesse visto e desejado as ditas frutinhas, minha máquina de pensar teria permanecido parada. Imagine se a vizinha, ao ver os meus olhos desejantes sobre o muro, com dó de mim, tivesse me dado um punhado das ditas frutinhas, as pitangas. Nesse caso, também minha máquina de pensar não teria funcionado. Meu desejo teria se realizado por meio de um atalho, sem que eu tivesse tido necessidade de pensar. Anote isso também: se o desejo for satisfeito, a máquina de pensar não pensa. Assim, realizando-se o desejo, o pensamento não acontece. A maneira mais fácil de abortar o pensamento é realizando o desejo. Esse é o pecado de muitos pais e professores que ensinam as respostas antes que tivesse havido perguntas.
Provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar me fez uma primeira sugestão, criminosa. “Pule o muro à noite e roube as pitangas.” Furto, fruto, tão próximos… Sim, de fato era uma solução racional. O furto me levaria ao fruto desejado. Mas havia um senão: o medo. E se eu fosse pilhado no momento do meu furto? Assim, rejeitei o pensamento criminoso, pelo seu perigo.
Mas o desejo continuou e minha máquina de pensar tratou de encontrar outra solução: “Construa uma maquineta de roubar pitangas”. McLuhan nos ensinou que todos os meios técnicos são extensões do corpo. Bicicletas são extensões das pernas, óculos são extensões dos olhos, facas são extensões das unhas.
Uma maquineta de roubar pitangas teria de ser uma extensão do braço. Um braço comprido, com cerca de dois metros. Peguei um pedaço de bambu. Mas um braço comprido de bambu, sem uma mão, seria inútil: as pitangas cairiam.
Achei uma lata de massa de tomates vazia. Amarrei-a com um arame na ponta do bambu. E lhe fiz um dente, que funcionasse como um dedo que segura a fruta. Feita a minha máquina, apanhei todas as pitangas que quis e satisfiz meu desejo. Anote isso também: conhecimentos são extensões do corpo para a realização do desejo.
Imagine agora se eu, mudando-me para um apartamento no Rio de Janeiro, tivesse a idéia de ensinar ao menino meu vizinho a arte de fabricar maquinetas de roubar pitangas. Ele me olharia com desinteresse e pensaria que eu estava louco. No prédio, não havia pitangas para serem roubadas. A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede. E anote isso também: conhecimentos que não são nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia. Homem sem fome: o fogão nunca será aceso. O banquete nunca será servido.
Dizia Miguel de Unamuno: “Saber por saber: isso é inumano…” A tarefa do professor é a mesma da cozinheira: antes de dar faca e queijo ao aluno, provocar a fome… Se ele tiver fome, mesmo que não haja queijo, ele acabará por fazer uma maquineta de roubá-los. Toda tese acadêmica deveria ser isso: uma maquineta de roubar o objeto que se deseja…

Rubem Alves

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Le temps de vivre - Georges Moustaki




Essa música é tão, mas tão bonita, que todas as vezes que escuto eu choro. Aprendi a cantarolá-la nos primeiros semestres de francês. É de uma singeleza e de uma verdade, vraiment touchantes!!!!
Vale a pena atentar à letra. Coroamento de inspiração poética!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Relaxation Meditation (Ocean Waves Crashing over a rock)




De repente, bateu aquela vontade enorme de ir à beira da praia, escutar o som do mar. Como não é possível, tratei de me contentar com este vídeo. Matei as saudades e me deliciei!

domingo, 14 de agosto de 2011

Sans l'espoir!


Teu sorriso esconde uma lágrima, sempre. Sabe por quê? Por que aceitaste o pouco, o menor, a média, o normal, o saturado.
Não quiseste fazer trabalhar tuas engrenagens. Preferiste a submissão absoluta ao tédio, o conforto da tolice. Agora o preço se tornou alto demais, já não podes mais pagar por ele. O tempo não financiou teus deslizes, te cercaste de ignóbeis. Pobre és, mas tua miséria foi esculpida por teu ócio. Tuas delicadezas cederam espaço a certa imbecilidade.
As Ninfas choram e Hades te espera e esperar faz tua dor aumentar. Tuas feridas se multiplicaram, pois agora teus dias só te trazem enfado. Emolduraste tuas perspectivas em um quadro surrealista. Pícaro de ti mesmo, guardas a tristeza do idiotismo. Tremores involuntários de um corpo frágil e um cérebro condenado à demência.
Nada pode te fazer emergir do lodo em que te atolaste. Tuas mãos tentam apalpar o ar, andas a esmo, a melancolia demarcou limites ilimitados em teu coração. Pobre de ti. Permitiste que tua essência escorresse em acordes fúnebres, e agora... Não existes mais, és um borrão, caricatura, esboço amarelado nas gavetas de tua própria mente. Tuas palavras não reverberam nem mesmo dentro de ti. Perderam o sentido, pois tua condição de único acabou e sequer percebeste. A massa disforme de seres embrutecidos fundiu-se em ti e agora te compõe.  Estás invariavel e simbioticamente unido aos degradados, aos estéreis de vida, aos patéticos em excelência.
Atiraste tua sobrevivência nas mãos de débeis, esperavas que eles te trouxessem oxigênio da existência, entretanto, te sufocaste em estupidez. Nada restou, nenhum escrito, nenhum negrito, nenhum registro. Tudo foi esquecido por ti. Teus cabelos se apoucaram, tuas rugas aumentaram e as palavras te sumiram. Foram sendo apagadas uma a uma. O espaço que outrora era delas, agora é palco de movimentos ritmados de burrice, e estes se repetem a cada manhã, a cada segundo. Nada é questionado, nada é pensado.
A ilusão de se negar foi preponderante em ti. E as perdas  se avolumaram. Não há o que esperar. O automatismo irreflexivo te mantém. Nada de vôos, pois SEMPRE uma lágrima te contém. O universo autômato te retém.

Only This Moment | Röyksopp photo gallery

Only This Moment | Röyksopp photo gallery

Vale a pena conferir! Eu achei a arte deles muitíssimo interessante!

Röyksopp - What Else Is There ?



Clipezinho meio sinistro, mas o som é legal.

sábado, 13 de agosto de 2011

Valente e bela

As árvores secas de agosto me lembram os desenhos de Gustav Doré, o francês que ilustrou, entre outras obras primas, Dom Quixote e A Divina Comédia. Há uma carga dramática convulsiva na copa das árvores quando elas ficam nuas de folhas e se chocam contra o cintilante do céu. A nudez de clorofila é uma estratégia de sobrevivência, modo que elas encontraram para suportar o sumiço das chuvas.
Então, concentradas em buscar, nas profundezas da Terra, a água de que necessitam para resistir às inclemências da temporada de seca.
Viram outras, estranhamente mais belas. Não parecem fenômenos da natureza. Há algo de escultórico nelas, de pictórico, como se tivessem sido desenhadas pelo lápis nervoso de Doré. As imensas copas secas das árvores de agosto parecem tremeluzir sob o sol a pino. A infinidade de galhos tesos apontados para o céu produz uma carga dramática e plástica que me tira de mim nos confrontos diários com a seca do mês oito.
As árvores secas de agosto me lembram a coragem que suporta dificuldades sem se fazer de vítima nem de mártir. Ficam mais potentosas, tal qual uma dama de teatro no momento culminante do texto. As árvores desérticas são dramaturgia em estado bruto. Monólogo de existir em tempos penosos. Sem folhas, sem flores, sem fotossíntese - como respiram as árvores secas de agosto?
Se soubesse desenhar, montaria meu cavalete na borda de uma árvore seca e desenharia seu esqueleto frondoso, galho por galho, desde o tronco até o céu. Se fosse escultora, moldaria em granito fio a fio a copa emaranhada das árvores de agosto. Se fosse fotógrafa, faria um ensaio de imagens de árvores secas coladas no céu insolente.
As espécies sem folhas são valentes como a gente que não se dobra às dificuldades da vida. Há nelas uma beleza sertaneja, uma crueza esplendorosa. As árvores secas de agosto sabem que agosto um dia vai acabar e quem nem as folhas nem as flores são perenes. Só sua esquadria de ossos resiste à ausência da chuva.
Deve ser por isso, por essa certeza de que o tempo vai mudar, que a árvore resiste com tanta intrepidez.
Agosto vai embora, dezembro vai chegar, e com ele a paisagem de Brasília perderá o espetáculo dramático das espécies sem folhas e sem flores. Como diz João Cabral de Melo Neto em A educação pela pedra: " No Sertão a pedra não sabe lecionar,/E se lecionasse, não ensinaria nada;/Lá não se aprende a pedra,/Uma pedra de nascença, entranha a alma." As árvores secas de agosto estão fincadas na alma brasiliense.


Conceição Freitas


Sonhos

Hoje despertei ainda meio onírica. Cheia de sensações fluidas e evanescentes. Nos últimos dias estive bastante adoentada. Talvez, a noite passada tenho sido a primeira de muitas sofridas noites em que consegui finalmente repousar. E meu inconsciente agradeceu... Perpassaram meu dormir inúmeras imagens, que para um psicanalista, por certo seriam um bom material de estudo.
Pude voar, ter êxtases ao ver as estrelas de perto, maravilhar-me com um simples fluxo d'água!!! Foram sensações tão boas, diria mesmo sublimes. Fui leve, pairei como uma pluma levada pelo vento, arrebatei-me ante a visão das árvores pendendo com o movimento produzido por brisas cálidas de outono. Quando me aproximei do chão, mergulhei na terra que nos sustenta. Enxerguei raízes, respirei sem oxigênio e mantive meu sorriso de deslumbramento. Tudo brilhava e resplandecia. O verde da grama era mais reluzente. O gato se lavando ao sol, a delícia do calor depois de tantos dias de úmidade intensa. Quem sabe os fungos do meu íntimo estejam se dissipando? Quem sabe prazeres novos estejam próximos?
Não sou muito mística. Não creio em interpretações de cunho não-científico. Todavia, a suavidade do sonho que tive, me inebriou  de tal maneira, que ainda experimento a sedução pelos prazeres do sono passado. Todo mundo deseja voltar para um sonho agradável, eu também... Poucas ocasiões me senti assim, e não me lembro de em nenhuma vez ter o prazer pelo prazer, sem apelos de carnalidade, sem atiçamentos de qualquer tipo.
A doçura por ela mesma. Nada de arroubos sexuais, nada de atrações limítrofes. Somente a serenidade e o encantamento de ser filha de Deus! Só mesmo a alegria da certeza de que Ele existe. Vitreas sensações, prismadas emoções em um reflexivo e (reflexado) coração. Sei que a rima é pobre e a colocação de medíocridade sofrível, contudo, depois da fantasia de uma boa noite de sono, tudo que for aqui discursivizado soará  menor!
Não vou tentar aprisionar com palavras o que meu espírito solto experienciou. Perderia com isso toda a utopia, e certo também é que jamais conseguimos lembrar a totalidade de nossos devaneios noturnos. Eles não tem início e nem fim. Melhor seria se deixássemos que análogo percurso guiasse nossa vida quando acordados.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Rebeldia

Hoje é um daqueles dias que não sei explicar a razão, mas estou com uma raiva danada. Vontade de fazer tudo errado, cuspir na cara dos patéticos, exaurir meu repertório de palavrões, comer porcaria, rir de tudo e todos. É estranho, porém quando estou nestes estágios sinto muita força interior. Vejo mais, sou mais sarcástica, intolerável com ignorâncias alheias.
C'est ça! Correr bastante, beber de encher a cara, arrotar alto, transar sem proteção, falar todas as podreiras que vão dentro de mim! Sim, eu queria sair apontando o dedo para as pessoas e dizer para elas o quanto me cansam. Apedrejar  todos os politicamente corretos. Definitivamente, detesto o "certo e adequado". Como dizia Pessoa "...não preciso de corredor para as minhas idéias."
Sou eu mesma, aquela que gosta de café, sacanagem, e também aprecia uma boa peça de teatro ou uma ópera. Por que sou dicotomia, sou antagonismo, sou contradição. Eu adoro confundir a mim mesma, não saber o que esperar de mim, não saber em qual curva meu pensamento vai dobrar. Sou uma dobra, uma ranhura, um cruzamento, un carrefour, uma fresta, uma porta, o dobro ou o duplo?
Sei lá...e acho que o mais legal é justamente eu não saber.
Será que  peguei a estrada certa? Melhor seria se tivesse ido pelo caminho errado, porque de atalhos eu não gosto. Atalhos são para mediocres, cortar caminho é para fracos. Eu curto errar, recomeçar, não saber onde estou. Estou esperando que você vende meus olhos e  me deixe baratinada. Quero perder a razão. Quero amalucar de vez!
Chega de saber qual será a próxima palavra. De agora em diante, somente interjeições!
Andar na corda-bamba, bamba de idéias. Suar e feder!!! Por que eu sou intempestiva e meu odor é provocativo pois sou sumamente provocação.
Não quero mais amarras, cintos, aparas morais. Deem-me barbitúricos ou joguem-me pedras!
Mas nada será como antes!!! Aucun problème!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Indo embora...

Ontem, enquanto o avião pousava de regresso à minha amada terra gaúcha, subitamente senti uma certeza. Estou indo embora. Aos poucos, cada vez um tantinho, numa lenta e dolorosa despedida. Não consigo explicar como sei estas coisas, talvez intua, talvez não.
Estou deixando para trás muito do que fui. Das outras vezes em que parti, ainda me sentia do meu pago pertencedora, entretanto, algo modificou-se. Olhei para o tapete verde debaixo de mim, olhei as estradas como veias pulsantes de carros, de gentes e de vida. Olhei para mim...estou indo embora. Cada dia é um a menos. As razões para aqui permanecer subtraem-se uma após outra. Sim, estou de partida!
Já fui inclusive confundida com outros brasileiros, moradores do lado de cima do paralelo 30°. Já me perguntaram quando mudarei, quando meu endereço mudará!!!
Estou indo embora. Tentei arrumar motivos para permanecer, tentei alicerçar-me em falsas bases. Estou indo embora. Resta pouco e estou absolutamente certa de que saudades sempre terei, assim como também estou convicta que para cá, jamais voltarei!