quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Os diálogos inexistentes - por Ivan Martins

A gente lida todos os dias com situações que vão afetar o resto da nossa vida, armados com limitada inteligência, pouca experiência e o nosso temperamento, que tanto ajuda quanto atrapalha. Sempre sob pressão do tempo.
Ninguém nos dá meia hora para reagir a um insulto ou responder a uma pergunta simples: você me ama? A resposta tem de vir na hora, precisa e certeira, ou adeus, pode esquecer. É duro tomar decisões com a realidade em movimento, mas é isso que nos cabe.
Por causa da pressa e do improviso, sinto que a minha vida é uma orgia de conversas inacabadas.
Outro dia, faz pouco, terminou um grande amor, e ainda acho que não disse tudo, que não expliquei o suficiente. Todos os dias me pego conversando com quem passou pela minha vida sem ouvir a frase verdadeira, o pedido sincero de desculpas, a confissão absoluta, a declaração arrebatada, a ironia cortante, o cala-boca contumaz.
Os diálogos inexistentes me perseguem como uma matilha de cachorros de rua.
Eu precisava dizer coisas que não tivera coragem ou perspicácia de dizer ao seu tempo. E as dizia. Às vezes, no meio de um sonho, ainda digo. Até acordado penso em frases poderosas que refariam fatos e removeriam o tempo e os sentimentos. Frases que nunca serão ditas
No interior das relações amorosas, ocorre o contrário: o silêncio nos consome. As frases que não são ditas se acumulam e impedem a circulação dos sentimentos. As pessoas se deitam lado a lado, caladas, noite após noite, cheias de queixas e ressentimentos. As manchas de silêncio tornam a relação irrespirável.
É preciso falar, portanto. É preciso explicar, corrigir, alertar, reclamar, exigir. Soluçar, também. As conversas nos salvam de nós mesmos.
Morro de medo das pessoas que andam pelas ruas falando sozinhas. É como se as coisas não ditas tivessem se apossado delas. Algumas gritam nos viadutos na direção dos carros. Outras falam baixinho, numa espécie de monólogo delicado. Todas conversam, contam, argumentam com alguém que não está mais lá, mas segue presente de alguma forma. A mente dos malucos está presa aos diálogos e decisões passados.
Podemos lidar apenas com o que já passou. A gente vive, erra, pensa e (quem sabe?) aprende a não se afogar novamente nas palavras: as ditas e as não ditas.