quarta-feira, 12 de março de 2014

Cataventos prateados

Havia diversos preparativos para a grande festa popular, entretanto, o que mais chamou minha atenção foram os cataventos prateados. Eles produziam uma música interessante naquela noite de verão com temperatura amena. Por alguns instantes, ouvi somente aquele som, que soprava e empurrava minhas tristezas para algum lugar bem longe de onde eu me encontrava. Aqueles singelos brinquedos de papel tiveram o poder de varrer momentaneamente minha identidade de chagas emocionais crônicas.
Segurei a mão dele e continuei caminhando. Eu era de novo aquela menina de olhar estupefato diante do brilho dos papéis prateados, a mesma que contemplou maravilhada a árvore de natal de papel resplandescente, julgando-se a mais feliz das criaturas. Era, então, um privilégio poder enxergar o que a vida ali me oferecia e aquilo que ainda ofereceria. Assim eu, como um pueril serzinho, cria.
Onde estará aquela criança ? Talvez, escondida no quarto de sua mãe, chorando ao lado do radiozinho de ondas curtas. Quem sabe ela esteja encolhida entre o cesto de roupas para lavar e a parede, em um cantinho, de olhos fechados, esperando que a vida jamais siga, que o futuro não exista, para que assim ela possa permanecer escondida !
Atravessamos a avenida. Cataventos dos dois lados. Crianças e adultos sorridentes, todos cônscios de que a existência compensa qualquer sofrimento. Mas, desta vez, nem a esperança em forma de brisa foi capaz de secar a lágrima que se formou no cantinho do meu olho. Ironicamente, no mesmo instante, lembrei da lágrima que costuma existir na maquiagem do palhaço. O palhaço tem algo de triste em sua alegria. Devo ser um tanto palhaça, pois, apesar do sorriso eu estava chorando. E entre um e outro sentimento soltei a mão dele.
Criança perdida olha para os dois lados. Criança perdida chora. Os adultos olham a criança perdida e dela sentem pena.
Percebi que algumas pessoas olhavam para mim com perplexidade, sem saber a razão daquela inapropriada emoção em um lugar repleto de euforia.
De repente, ele me resgatou, tomou minha mão e me tirou do meio daquela gente estranha. Exortou-me, tal como quando se repreende uma criança quando solta das mãos de seus pais.
Meu coração se acalmou, mas a dor não. A lágrima secou, mas a dor não. Voltei para casa, mas a dor não aliviou.
Aos menos eu consegui trazer um dos cataventos prateados como lembrança. Às vezes, quando a dor sufoca, eu sopro meu catavento e escuto a música que ele entoa, igualzinha a música da minha alma.