segunda-feira, 15 de dezembro de 2014



O prendedor verde

Naquela tarde de outono, ele brilhava ainda mais preso à minha franja ruiva. Minha felicidade era completa apenas pelo prendedor verde enfeitar minhas madeixas. Ele era feito de lantejoulas gigantes que ofuscavam e enchiam de alegria meus inocentes olhos infantis. O ônibus chacoalhava, e eu escutava ao longe a música que tocava no pequeno rádio junto ao cobrador. Tudo era precário. Nossa pobreza era aparente. Morávamos distante do centro da cidade. Não tínhamos carro ou casa própria.
Em alguns trechos do trajeto, a poeira impedia que se visse por onde passávamos. Mas eu era feliz. Apesar da sujeira, da penúria das roupas, da falta conforto. Eu era feliz. Não conhecia ainda a deprimência da vida. A aridez de quem sabe mais do que deveria. Mais do que é verdadeiramente preciso pra ser feliz. A alegria se resumia ao sol, refletindo o brilho do prendedor verde nos meus cabelos.
Nossa casa era de madeira de qualidade inferior - Verde - essa sempre foi a cor de predileção de minha mãe. Os nós da madeira de pinho caíam e criavam furos nas paredes, que meu pai tapava com pedaços de papelão. Eu achava os buracos divertidos, pois permitiam que eu observasse meus pais quando eles estavam distraídos nos afazeres domésticos.
 Os finais de semana eram diferenciados. Meu pai levava o lixo para queimar, já que naquela época não havia coleta no bairro em que morávamos. Íamos caminhando até a beira do valo. Meu pai tomava a garrafa com álcool e ateava fogo aos entulhos por nós produzidos. Nem suspeitava da penúria desse gesto. Era só o lixo, pensava.
Foi nessa época que eu ganhei o prendedor verde. Você nunca poderá entender o que ele significou na minha vidinha. 
No dia em que o ganhei, acordei cedinho. Minha mãe me banhou em uma bacia de alumínio, pois o chuveiro ficava distante, fora da casa em que morávamos. Era arriscado tomar um ar gelado e me resfriar. Então o banho foi na cozinha mesmo, dentro da bacia gigante.  Lembro-me de me divertir com o vapor da água quentinha.
Estava toda animada. Iríamos sair, compraríamos um presente para minha mãe. Só eu e meu pai. Minha mãe me arrumou. Faceira, peguei na mão de meu pai e fui. Fui passear. Fui escolher a blusa mais bonita da loja para dar à minha mãe.  E assim foi. Compramos a blusa de lã verde que eu mesma escolhi. As vendedoras me elogiavam.  Diziam que eu era uma menina esperta. Eu acreditava nos elogios. Eu era feliz.
 Estava indo para a fila do pagamento com meu pai, quando passei por um balcão e fui atraída pelo brilho que emanava do prendedor verde. Lá estava ele, fulgurante. Desejei ardentemente que ele reluzisse na minha cabeça. Meu pai não hesitou em me conceder esse desejo. Ele me presenteou com a peça. Meu pai sempre soube fazer crianças felizes. Também soube como ninguém,colaborar para me tornar uma adulta infeliz.
Eu o trouxe embrulhadinho em um saco de papel branco. Em casa, me desfiz dos preços e pacotes e o grudei nos meus ralos cabelos ruivos. E como fiquei feliz! Isso você nunca entenderá. A felicidade que advém da falta de oportunidades, aquela que transforma pequenos acontecimentos em grandes eventos. A felicidade de com tão pouco ser tão feliz!
Não, eu não viajei à Europa. Não vesti roupas de grife. Não frequentei clubes sofisticados. Mas por favor, não desmereça na minha felicidade, pois ela de fato existiu. Apesar da pobreza, apesar das desfavoráveis circunstâncias. Meu prendedor de lantejoulas verdes reluziu e refletiu um sorriso repleto de contentamento. Minha alegria foi ingênua.A felicidade me visitou, poucas vezes, é verdade. Entretanto, deixou luminosas saudades enfeitadas pelas recordações do prendedor verde.