domingo, 16 de setembro de 2012

Meu quarto

Todos os dias eu volto aquele quartinho. Acendo as luzes, verifico se está tudo no mesmo lugar, então, com um misto de alívio e tristeza, fecho a porta, retorno e retomo minha vida.
Às vezes, eu gostaria de encontrar este cômodo em completa baderna, noutras vezes, me sinto confortável ao enxergar que nada mudou. A acomodação tem lá seu lado de ternura...
Entretanto, quando chega a hora de dormir e ocorre a inevitável retrospectiva do dia, quiçá da vida, surgem logo as sombras, o gosto acre da trajetória mal resolvida.
Por certo todos nós carregamos arrependimentos e frustrações, porém, o grande segredo do bem-viver está em como elaboramos nossos erros, nossas perdas, nossos tropeços.
O meu quartinho tem muito objeto que precisaria ser descartado. Também tem muita relíquia, incontáveis segredos e memórias valiosas. Mas desconfio que algumas peças que me compõe deveriam tomar um destino diferente daquele de se manter inertes em um mesmo ambiente por tanto tempo. Parece que se as lembranças continuam ali, eu também ali estarei. É a tal ternura da estabilidade que relatei no início do texto.
De outro modo, tenho a impressão de que se ousar mexer na ordem estabelecida neste local, não suportarei a dor que tal atitude poderá me causar. Seria como se estivesse violando meu próprio santuário.
Racionalmente, intuo que meu quartinho deva ser redecorado. Compreendo que chegou a hora de abrir as janelas, varrer a sujeira que se acumulou depois de tanto tempo. Só que a gente se acostuma com tanto e com tudo, até com nossos ácaros (ainda que eles nos causem mal à saúde) - " a gente se acostuma com tudo, mas não devia", já vociferou Marina Colassanti.
Eu  tenho medo de abrir o aposento mais precioso de minha casa e deixar que "un voleur" usurpe o que me torna quem sou, o sentido que carrego. Sei que um dia, mesmo que eu relute, a porta deste quarto vai se abrir. Tenho medo de ficar tanto tempo guardando minhas antiguidades e acabar me tornando uma delas. Meu quartinho pode vir a se tornar um sótão esquecido.

domingo, 9 de setembro de 2012

Cale a boca!

Nos últimos tempos, um ensinamento se impôs em minha vida.Calar-me!
Depois de falar e falar e falar, conclui que de nada adianta discursivizar tudo aquilo que vai dentro de mim. Algumas pessoas simplesmente não entendem, outras não querem compreender e existem aquelas que tão somente te ignoram, isto é, não estão nem aí para o que tu diz.
Ficar em silêncio traz alguns benefícios: Não há o estresse da discussão sem desfecho, nem o jogo de impropérios ao léo. Ainda posso observar/ouvir mais atentamente aqueles que um dia desejei que me escutassem.
Foram muitos anos tentando, lutando para ser ouvida,aceita, entendida. Hoje, percebo que aquilo que os outros pensam de nós é construído à nossa revelia. Não há maneiras de fazer com que as pessoas aceitem e entessourem nossos "verbos" como pueris verdades.
Uma vez li em algum lugar que devemos viver de acordo com "nossas verdades", e como consequencia, teremos paz em nossos corações. De cara, concordei com o que li, no entanto, só agora entendo que muito mais do que erguer muros em torno de mim, isto significa calar.
Não se trata exatamente de uma desistência, embora em alguns aspectos assim o seja. Acredito que finalmente aceitei fatos que jamais serão transformados. Pessoas que nunca entenderão o que eu disse ou mesmo aquilo que silenciei.
Um lado desta história é o amargo de ter sido prolixa, ou desiteressante...sei lá. A outra banda desta narrativa traz o sossêgo de aceitar a vida, as pessoas e todos os fatos que me cercam, não como imutáveis, mas como parte de um processo e, sendo assim não posso desejar alterar todas as coisas. O mundo continuará a existir quando eu aqui não mais estiver.
Nem mesmo os maiores sábios da humanidade foram compreendidos na extensão daquilo que eram e diziam!!!
Quem sou eu então, com minhas estúpidas angústias?!
Cala a boca, Daniela!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O fim do amor

Será possível esquecer um grande amor, mesmo que não sobreviva mais o amor?
Mais fortes que o desejo de esquecer são as transformações físicas que se abatem sobre quem terminou um grande amor, coração batendo a mil, adrenalina, borboletas no estômago.
Os médicos dizem que quem terminou um grande amor tem de reforçar as emoções negativas ligadas à pessoa e mudar o foco.
Em suma, dá para traduzir, para se esquecer um grande amor e expulsá-lo das nossas entranhas só existe uma receita: arranjar um outro grande amor.
Caso contrário, vai se repetir o ramerrão.
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E diz mais um famoso neurologista: ficar só, não amar mais, não ajuda a superar o caso.
Vejam que mão de obra: seu amor pode ter azedado, mas as lembranças negativas permanecem e fazem disparar as reações físicas adversas. Ou seja, o amor perdido permanece no ser da gente, ainda que as lembranças últimas que se tenha dele sejam negativas.
Porque as impressões do namoro permanecem inalteradas.
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Quando se acaba um grande amor, as impressões residuais, inclusive as manifestações físicas delas decorrentes, sequestram os pensamentos, não precisa que a gente se recorde do ex, o córtex pré-frontal traz à tona as lembranças da relação perdida, mesmo que a pessoa não faça mais parte da sua vida.
É tão grande o dano causado a uma pessoa que terminou uma relação de amor, que dificilmente ele se apagará.
O que remete ao risco que todo grande amor encerra: o do fim. Encerrar um caso de amor, portanto, não é dar fim à dor. É dar trânsito a ela com o distanciamento.
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O tempo, pois, não apaga a lembrança de um grande amor. Essa recordação incômoda ou cruciante é como os vícios, não se pode livrar-se deles.
Por isso é que às vezes constatamos pessoas que praticamente tiveram suas vidas tortas ao findarem um relacionamento: por mais que dissimulem, não é difícil notar que a vida para elas se acabou.
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Por onde for alguém que teve um grande amor interrompido, a lembrança dolorida do caso irá também trilhando as mesmas ruas.
Um grande amor perdido se cola ao corpo, senão como tatuagem, então como cicatriz.
É impossível apagar a sua marca. Porque ele deixou vestígios irremovíveis.
Se não arranjar um outro grande amor, você será para sempre um ser arrastado e inútil.
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Pressentindo isso é que muitas pessoas revelam um temor, que chega quase à ojeriza, em se apaixonarem: sabiamente intuem que o amor pode terminar um dia e será impossível sustentar a dor da lembrança dele, repito, mesmo que já não se ame mais a outra pessoa.
É o tal de medo do amor, medo do envolvimento.
Não amar, por incrível que pareça, é melhor do que ter o coração dilacerado pela separação amorosa.

Paulo Sant'Anna


* Texto publicado em 12/06/2010