quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Sem mortos e feridos

Uma das coisas que mais me incomodam no convívio humano é o quanto as pessoas se agarram ao próprio lixo. Não que eu não tenha minha própria lata enferrujada, mas eu tento - e tento com sucesso considerável, devo admitir - me livrar do que não me serve mais.

É curioso notar como as relações mais devastadoras são as que mais suscitam apego (essas relações são piores do que lixo, pois o lixo ainda pode ser reciclado).

Uma amiga teve um casamento desastroso. Quando começa a se dar o direito de pensar num outro romance, ela engata paquera com um homem que também teve um casamento desastroso. E como eles combinam um primeiro encontro? Purgando dores e falando dos respectivos ex!

Quando minha amiga me perguntou o que eu achava disso, eu tive de ser sincera. E mostro a você, agora, o que minha sinceridade respondeu a ela.

"Dear, se você me pede uma análise sobre a proposta do seu novo quase-amor, suponho que não queira a averbação da felicidade futura. Por exemplo, se você está em dúvida sobre fumar ou não maconha e decide pedir uma opinião ao Marcelo D2, você já tomou sua decisão - apenas não quer se responsabilizar por ela ainda.

Portanto, como você perguntou a mim (e sabe o que eu penso a respeito), você já tomou uma decisão. De qualquer maneira, lá vai minha resposta: eu odiaria passar minha primeira noite com um homem desse modo, o-d-i-a-r-i-a! Em vez de vocês começarem pelo começo - um novo, leve, limpo, solar começo, um começo onde haja apenas vocês dois -, a proposta é iniciar pelo avesso, pelo enterro dos mortos (que já deveriam estar devidamente enterrados). Vai ser um encontro estranho: você, seu ex, ele e a ex dele (dois humanos, dois espectros: que medo).

Que tal tentar convidá-lo para um espaço em que só entrem você e ele? Exorcizar fantasmas é coisa que a gente faz no analista, faz sozinho. Quando vai encontrar alguém, ou vai com a alma aberta, para olhar para frente, sem arrastar latas, ou é melhor não ir. Se as tranqueiras do passado se amontoam pela sala, ainda não é hora de começar nada, nem amizade com benefícios, nem namoro, nem nada. Vocês vão detonar essa relação se a iniciarem assim, metendo nela outras pessoas (pessoas que deveriam estar mortas, mas que pelo visto estão cheias de dolorosa vitalidade).

Abre a janela, deixa o sol entrar (oh, violinos quase soam ao fundo) e corta esse papo de 'vamos trocar dores'. Vocês têm de trocar suor, tesão, olhares intensos, risadas, conhecimento, bobagens, leveza, livros, músicas, salivas. Sem mortos para que não haja mais feridos".

Stella Florence

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