sábado, 13 de agosto de 2011

Valente e bela

As árvores secas de agosto me lembram os desenhos de Gustav Doré, o francês que ilustrou, entre outras obras primas, Dom Quixote e A Divina Comédia. Há uma carga dramática convulsiva na copa das árvores quando elas ficam nuas de folhas e se chocam contra o cintilante do céu. A nudez de clorofila é uma estratégia de sobrevivência, modo que elas encontraram para suportar o sumiço das chuvas.
Então, concentradas em buscar, nas profundezas da Terra, a água de que necessitam para resistir às inclemências da temporada de seca.
Viram outras, estranhamente mais belas. Não parecem fenômenos da natureza. Há algo de escultórico nelas, de pictórico, como se tivessem sido desenhadas pelo lápis nervoso de Doré. As imensas copas secas das árvores de agosto parecem tremeluzir sob o sol a pino. A infinidade de galhos tesos apontados para o céu produz uma carga dramática e plástica que me tira de mim nos confrontos diários com a seca do mês oito.
As árvores secas de agosto me lembram a coragem que suporta dificuldades sem se fazer de vítima nem de mártir. Ficam mais potentosas, tal qual uma dama de teatro no momento culminante do texto. As árvores desérticas são dramaturgia em estado bruto. Monólogo de existir em tempos penosos. Sem folhas, sem flores, sem fotossíntese - como respiram as árvores secas de agosto?
Se soubesse desenhar, montaria meu cavalete na borda de uma árvore seca e desenharia seu esqueleto frondoso, galho por galho, desde o tronco até o céu. Se fosse escultora, moldaria em granito fio a fio a copa emaranhada das árvores de agosto. Se fosse fotógrafa, faria um ensaio de imagens de árvores secas coladas no céu insolente.
As espécies sem folhas são valentes como a gente que não se dobra às dificuldades da vida. Há nelas uma beleza sertaneja, uma crueza esplendorosa. As árvores secas de agosto sabem que agosto um dia vai acabar e quem nem as folhas nem as flores são perenes. Só sua esquadria de ossos resiste à ausência da chuva.
Deve ser por isso, por essa certeza de que o tempo vai mudar, que a árvore resiste com tanta intrepidez.
Agosto vai embora, dezembro vai chegar, e com ele a paisagem de Brasília perderá o espetáculo dramático das espécies sem folhas e sem flores. Como diz João Cabral de Melo Neto em A educação pela pedra: " No Sertão a pedra não sabe lecionar,/E se lecionasse, não ensinaria nada;/Lá não se aprende a pedra,/Uma pedra de nascença, entranha a alma." As árvores secas de agosto estão fincadas na alma brasiliense.


Conceição Freitas


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