sexta-feira, 21 de maio de 2010

Flávio

Eu recém saíra da adolescência. Ele, porém, já contava com idade avançada. Tinha na época 72 anos. Um advogado respeitado, brilhante professor universitário, senhor de ampla e considerável experiência de vida. Soberano na arte das palavras e de como articulá-las de modo a conquistar nossos corações de leitores.
Mas, o que de certa forma me atraía àquele veterano ser-humano, não era fácil de explicar por meio de frases sintaticamente bem construídas.
Depois de algum tempo, percebi que o catedrático passava longos minutos da aula de Literatura Portuguesa tão somente a me observar. A princípio não dei muita atenção, contudo, como persistissem os olhares, passei a observá-lo também.
Suas aulas com frequencia seguiam praticamente o mesmo “script”. Ele começava indagando sobre as leituras previamente solicitadas, depois pedia que fizéssemos uma apreciação crítica das obras lidas para que na próxima aula estabelecêssemos um debate baseado nos posicionamentos apresentados. Feito isso, sentava-se e punha-se a me fitar.
E assim permanecemos durante aproximadamente um semestre inteiro de faculdade. De minha parte, a motivação essencial era a curiosidade por descobrir o que levava aquele homem a ficar como que hipnotizado em meus movimentos durante tanto tempo. Todavia, após nos conhecermos melhor, descobri que seu interesse não era somente uma questão de deleite estético. Ele me relatara que algo em meu comportamento, o movia a de alguma maneira como que “desvendar-me”, e junto com essa curiosidade adveio o amor.
Creio que eu também tenha passado da investigação ao sentimento sublime sem dar por mim. Após algum tempo, começamos a conversar. Eu me revelei uma aluna dedicada e portadora de idéias singulares, segundo aquilo que o professor Flávio me contou. E assim foi que tudo aconteceu.
Passei a encontrar uma beleza diferente escondida por detrás daquelas rugas. Seus olhos tinham uma força atrativa muito diferente de tudo o que eu já havia experimentado através de minha parca experiência de flertes juvenis.
Devo dizer que foram nossos olhos que se amaram primeiro. Foram eles que tomaram a iniciativa de nos aproximar e por intermédio dos mesmos eu enxerguei uma realidade completamente nova que se insurgiu dentro de mim.
Tudo o que se seguiu tornou-se MENOR, pois nosso sentido visual tinha adquirido e aberto sentimentalmente, uma janela grande demais, que se alargava e “defenestrava” preconceitos tão comuns em nossa sociedade, como diferenças sociais, de classe e etárias.
O professor Flávio se foi, mas seus olhos permanecem comigo. Ajudam-me não somente a ver, como também a interpretar pessoas e sentimentos.

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