sexta-feira, 20 de março de 2015

Sendo usada

A gente sempre emprega a expressão "estou sendo usada" para choramingar alegando ingratidão. Mas será mesmo que é sempre assim? Será que ser usada não tem lá seus aspectos positivos a serem ponderados? Será que a malandragem de quem nos usou não serve de sirene para nossa alma?
Já faz algum tempo, eu vinha me arrastando pela vida. Definhava a olhos vistos. Falta de amigos, falta de criatividade, falta de amor. Escassez irrestrita e cruelmente real.
Creio que a última vez que me senti segura e contente comigo, eu deveria ter por volta de 22 anos. De lá pra cá foi só mutilação emocional. Um dia perdi o sorriso, no outro perdi o senso de humor, e em alguns anos perdi quase que completamente o amor por mim mesma. Finalmente, mergulhei no lodo da autocomiseração. Ali permaneci até bem pouco tempo atrás.
Um belo dia, em meio a um diálogo despretensioso (de minha parte), deixei a vergonha de lado e mostrei quem sou e o que penso. Detalhe: a conversa se deu com uma celebridade televisiva. E qual o resultado? Minhas ideias foram parafraseadas em rede nacional de rádio e tv. Ainda constatei na internet e nas mais diversas mídias sociais, minhas falas "bombado" e recebendo milhares de likes.
Meu primeiro sentimento seguiu a linha da pessoa com falta de autoestima. Agradeci e me senti honrada por ter meus ditos reduplicados - isso tudo sem minha devida autorização. No decorrer das horas, percebo que fui lograda. Abusaram de mim e tiraram proveito do meu discurso, fértil de indagações.
Mais tarde, começo a pensar diferente. Observo que sou capaz de produzir coisas muito boas. Através dos elogios, que a outra pessoa recebeu e que deveriam ser dirigidos a mim, entendo o quão nocivo foi o tempo que perdi. Tudo por medo e boa dose de orgulho.
Medo de me expor. Na verdade, um medo que escondeu todo o tempo um orgulho de não querer falhar. Simples assim, como uma continha de dois mais dois.
Sim,eu fui usada. Mas e daí? Quem mandou ser medrosa? Quem mandou ser parada? Quem mandou não arriscar? Pior que isso, quem mandou desistir sem não ter ao menos tentado?
O roubo de ideias é mais velho do que andar para frente, diria meu pai... Se eu tivesse um pouco mais de autoconfiança, não sairia por aí divulgando meus tesouros. Acontece que até ontem eu enxergava meu cofre como uma caixa de sapatos velha, onde guardava apenas badulaques.
Acreditava que só tinha quinquilharias dentro de mim. Precisei que um estranho assoprasse a poeira que se acumulou no meu íntimo, e assim houvesse espaço para que a alegria de ser quem sou reaparecesse.
É...eu fui usada, mas, talvez, deva agradecer. Não o mesmo tipo de agradecimento daquela pessoa que se vê por baixo e aceita o insulto como uma forma de reconhecimento. Devo agradecer por essa pessoa ter sido uma espécie de porta-voz minha. Bradou para o mundo meus pensamentos, materializou-os em um novo discurso, gritou no meu lugar. Teve a coragem que me faltou durante todos esses anos de silêncio.
Foi como se tivesse feito em mim respiração boca-a-boca. Eu estava me afogando, prestes a morrer, e fui salva pelo sopro de alguém que insistiu em me trazer de volta à vida. Só posso agradecer.
Nada mais será como antes. Eu nasci de novo.

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