segunda-feira, 23 de março de 2015

Santa Marta

Nos últimos tempos, uma avalanche de coisas negativas tem acontecido na minha vida. São aquelas fases em que a zica predomina e, por mais que você tente reverter a situação, não obtém êxito.
Todavia, sempre, ocorrem momentos sublimes na vida da gente. Pode ser uma mensagem de carinho pelo whatsapp, um e-mail com uma proposta nova de emprego, um sorriso lindo oferecido só pra você, um convite absolutamente inesperado para jantar.
Eu dou valor a esses tão pequeninos acontecimentos do cotidiano.
Outro dia, depois de dar uma aula gratificante, ao embarcar no ônibus me pus a pensar: Como pode a nossa vida  mudar tanto, em tempo tão exíguo? Como,subitamente, pessoas entram e saem das nossas realidades? Como as prioridades se modificam praticamente à revelia dos nossos planos?
Nós arquitetamos a maioria dos atos e das atitudes que iremos/queremos tomar (pelo menos é o que pensamos e o que tentamos), entretanto, a impressão é de que estamos no centro de um redemoinho. O vento nos empurra em todas as direções. Não há o que fazer.
Mas vamos à história: Antes do "bouleversement"do dia mencionado, acordei repleta de melancolia, presa ao leito, igual atam os doentes mentais nos sanatórios. É meu fim, pensei. Não há razão para que me ponha de pé, para que trabalhe, para que respire.
Mas, Dona Marta estava em casa, e perto da hora de eu acordar,ela deu seus três toques costumeiros e delicados à porta. A pergunta foi  a mesma de sempre: Não tá na tua hora, Daniela?
Pensei em mentir, dizer que a aula havia sido desmarcada, alegar indisposição. Porém, mentir é um gesto extremamente desconfortável para mim, ainda mais em se tratando de mentir para minha mãe.
Lá fui eu. Peguei minha toalha e me dirigi ao banheiro para fazer minhas higienes matinais. Não levei cinco minutos para compor o visual que usaria (era evidente meu entojo). O terceiro e último passo foi o da massada foi a maquiagem. Carreguei no uso do corretivo, pois as olheiras estavam profundas -,sequelas do choro da noite anterior - depois, tomei um café às pressas e saí.
Antes da aula propriamente dita. tratei dos assuntos burocráticos. Perto da hora do almoço, segui ao encontro do aluno que me aguardava, como de costume.
Os primeiros instantes da aula pareceram se arrastar. Creio que nem eu e nem ele estávamos muito dispostos, apesar de ser uma sexta-feira radiante de sol. Contudo, a conversa prosseguiu, tinha que prosseguir, afinal,eu estava sendo paga para aquilo.
Não sei precisar o momento exato em que nos deixamos levar por observações de ordem pessoal. Falamos do que pensávamos e da maneira como fomos culturalmente criados - algo muito diferente entre nós, diga-se de passagem.
Aos poucos,nossos olhos iluminaram-se, percebi a musculatura do jovem rosto, à minha frente relaxar. Sorrimos, rimos juntos da vida. Gracejamos do pitoresco de ser um estrangeiro tanto em nosso país,quanto em um país por nós desconhecido.
A alegria brinca de chicotinho-queimado com a gente. Quando pensamos que está tudo perdido, tudo gris, o dia se apresenta cheio de cores e luzes. Onde estava frio, subitamente, tornou-se quente.
E assim, o tempo da aula passou sem que sentíssemos, o restaurante esvaziou sem que percebêssemos, e o que era para ser só mais um diálogo permeado de regras gramaticais, mostrou-se ser um agradável encontro. Sem pretensões, nem segundas intenções.
E eu que havia erguido toneladas de mim para sair da cama, finalizei meu dia me sentindo leve como uma pluma.
Que bom que a vida tem sempre o poder de nos surpreender. Ainda que os problemas não desapareçam, há lenitivos no nosso trajeto. Eles nos impedem de desistir. Minha mãe é meu lenitivo maior e também meu liame com a vida real. Santa Marta!



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