sábado, 14 de maio de 2011

A casa dos outros

Quando era criança, uma das coisas que mais gostava de fazer era visitar meus tios e tias. Isso para mim consistia em uma enorme aventura. Havia todo um preparo para o passeio e tudo era planejado por meus pais com muitos dias de antecedência. Eu ficava só escutando eles combinarem os detalhes da visita que fariam como data, hora, o que iriam vestir na gente (eu e meu irmão) e por aí vai...
Assim que chegava o grande e esperado dia, minha ansiedade não cabia mais em meu tão pequenino coração. Acordávamos geralmente, bem cedinho. Minha mãe ajudava no ritual da vestimenta. Depois, tomávamos um café substancial e sempre éramos advertidos de não falar sobre ter fome na casa dos outros, pois isso era feio e subentendia que tínhamos ido fazer a visita só para lanchar rsrs
Em seguida, meu pai ligava o carro e ficava acelerando numerosas vezes para “esquentar o motor”, como ele costumava dizer. Minha mãe pegava a bolsa e alguns outros apetrechos e lá íamos nós, uma pequena família em busca de diversão e do fortalecimento de laços familiares pela distância ameaçados.
No caminho todas as paisagens eram muito apreciadas, fossem elas urbanas ou não. A excitação era visível não apenas em nós crianças, mas em meus pais. Hoje, relembrando, posso perceber que eles também se empolgavam bastante. A vida nessa época era menos dolorida em meu exíguo ponto de vista. Como criança eu tinha meus sofrimentos de criança, contudo, como eu não atinava ao certo de onde eles vinham não duravam o tempo que duram atualmente.
Então, chegávamos ao nosso destino: a casa dos parentes. A poluição sonora se instalava. Minhas tias gritando, cachorros latindo, meus primos (crianças também), sorrindo e correndo ao redor dos adultos. Era uma festa. Beijos esfuziantes, bochechas apertadas até a vermelhidão, admirações escandalosas pelo tamanho em que nos encontrávamos. De minha parte, eu detestava aquela algazarra. Nunca fui muito de acordo com as expansividades afetivas, mas eu tinha de aturar, afinal era pequena e aos pequenos cabia tão somente a resignação.
O dia transcorria como uma aventura. Primeiro o impacto da chegada, a averiguação do local. Como era o pátio? O que havia de diferente dentro e fora da casa? Quais eram os animais da família? Onde estariam os gatos? rsrs . Depois vinha o “momento-interativo”, aquele em que precisávamos ser amistosos, conversar com os primos, contar como andavam as coisas na escola para nossos tios, esses protocolos de família... Quando sentávamos à mesa para alguma refeição, frequentemente eu ficava apreensiva. Tinha certo pânico do que iriam servir para saborear. Causava-me arrepios pensar que teria de comer ovos ou tomar leite, por exemplo. Sabia que minha mãe iria nos obrigar a ingerir esses alimentos para não fazer a famosa “desfeita”, mas eu tinha um estômago  meio sensível, e o vômito avizinhava-se quando a ingesta era irrecusável.
À tardinha, principiava a sentir sono e então era o momento de voltar para casa. A esta altura, eu já estava cansada e louca para tomar um banho e ficar deitada em minha cama. Às vezes, meus pais resolviam estender um pouco mais a visita, às vezes jantavam e tomavam cafezinho. Aí era sofrido, porque dependendo de onde estávamos, eu não via a hora de voltar, mas tinha de agüentar tudo bem comportada, caso contrário, minha mãe me dava uns beliscões doídos no braço, que deixavam marcas por horas depois.
Mas quando finalmente regressávamos, eu me sentia repleta. Exausta, mas satisfeita. Durante bastante tempo teria o que relembrar, assuntos para conversar e uma ou outra novidade para ser posta em prática, como por exemplo, alguma brincadeira nova que tivesse aprendido com meus primos.
Gosto de reviver em minha mente estes acontecimentos. As memórias de minha infância aquecem meu coração. Foi uma fase em que uma visitinha qualquer mudava o curso de minha existência. Eu não me preocupava com dinheiro, nem com satisfações sociais a prestar. Era somente uma criança, buscando viver cada dia em sua plenitude.
Tão diferente dos meus dias atuais e ao mesmo tempo tão igual a quem sou aqui dentro.  Acho que todos nós nos sentimos assim. A saudade é análoga nos corações humanos. A casa dos outros, apesar de diferente, guarda muitas semelhanças com a nossa própria casa, e com isso estou me referindo não só a residências propriamente ditas, mas também e por certo a nossa casa mais significativa, isto é, nosso coração.

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