quarta-feira, 25 de maio de 2011

Os corredores eram amplos, em toda a extensão deles havia bancos dispostos esparsamente. Soprava um vento muito frio naquele lugar. Nós nos sentávamos ali e resignadamente mantínhamos, na maior parte do tempo, um silêncio silenciosamente acordado e estabelecido.
Ninguém se atrevia a dar início a qualquer conversa. Não havia nada a dizer, entretanto, tudo estava sendo dito, bastava apenas olhar para a situação em que nos encontrávamos.
No dia em que cheguei Lá, já era tarde. Quase todas estavam em seus quartos, entorpecidas nos seus sonos e sonhos induzidos artificialmente. Eu sentei em um dos bancos de madeira encostados à parede e continuei chorando como, aliás, me encontrava há dias. Estava imersa em minha dor. Fui descrita como apática e vi as pessoas conversando sobre mim como se ali eu não estivesse ou como se tudo que dissesse fosse não digno de confiança.
Logo comecei a sentir frio. Estava mal agasalhada e alimentação naquela época, somente intravenosa. Então, uma das companheiras de quarto se aproximou e me perguntou se eu já havia retirado minhas toalhas e roupas de cama na Rouparia. Respondi a ela que sequer sabia qual o motivo que ali me levara. Ela pacientemente pegou minha mão e ofereceu sua ajuda. Fomos até o Setor de Rouparia e retiramos cobertores, lençóis e toalhas para meu uso. Em seguida, minha colega me levou até o quarto onde eu haveria de permanecer nos próximos dias de estadia . Mostrou-me minha cama, deu orientações acerca de meus pertences. Depois, me ajudou a vestir o pijama da instituição e se despediu indicando o leito em que ela dormia e oferecendo-se para qualquer eventualidade. Em meu desânimo, só consegui balbuciar um desarticulado “obrigada”.
Nos dias subseqüentes, tive tempo de sobra para observar como a negação à vida transforma a discriminação em uma realidade muito rapidamente. Marginalizada perante a sociedade, sem direito a luz do sol, a caminhadas a céu aberto, sem direito a cadarço em meus sapatos e nem bolsos em minhas calças, minha dor foi elevada a potências altíssimas. Era muito pior continuar vivendo daquela forma. Eu não era dona de minhas ações mais triviais, como por exemplo, ir ao banheiro. Não tinha privacidade e olhos controlavam meus passos dias e noites inteiros. Meus horários passaram a ser monitorados. Minha fome só era saciada quando julgavam que ela existisse de fato, caso contrário, as intravenosas eram a solução. O gosto de um alimento bem preparado revestiu-se de alto valor para mim. Quão patético isso pode semelhar para os homens livres!!
Sem perceber que estava em uma guerra, eu chorava. Não compreenda que cada lágrima vertida era mais uma batalha por mim perdida. Mais ou menos como se eu estivesse sendo derrrotada para mim mesma. Sei que soa esquizofrênico narrar assim, mas era exatamente o que se passava naquele momento de minha vida.
Entretanto, foi olhando as pixações de protesto nas paredes de meu quarto, e a cocaína ingerida às escondidas pelas minhas colegas, que atinei com o que me tiraria de . Eu precisava deletar tudo aquilo e foi então que comecei a sair de minha própria dor.
Lentamente, fui deixando para trás uma antiga eu mesma. Fui esquecendo de quem  era e do que queria. Reformulei-me. Criei uma nova marionete. Tornei-me plácida e submissa.
Descobri outro viver, reinventei alguns sentidos e parei de lutar. Isso mesmo. Por contraditório que soe, eu estanquei na minha luta. Cessei as lágrimas e aceitei o que me era oferecido.
O ócio mental me sobreveio e trouxe grande paz. Sim, a guerra tinha acabado.
Dali em diante, meus moinhos de vento seriam como os de D. Quixote. Somente eu os enxergaria, somente eu poderia lutar contra eles. Com esta atitude, pude voltar ao mundo aqui de fora e internalizei meus embates.
Compreendi que quanto mais minha “existência” me pertencesse, menos eu seria dos outros e assim estaria sempre tangenciando da normalidade.
Voltei a ver o sol. Os cadeados desapareceram das portas, as grades das janelas e finalmente deixei o lado de .

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