quarta-feira, 20 de abril de 2011

Aridez

Chega um dia de falta de assunto. Ou, mais propriamente, de falta de apetite para milhares de assuntos.
Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. O dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda a natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, purê de palavras, reflexos de espelho (infiel) do dicionário.
Que é isso, rapaz. Entretanto, aí está você, casmurro e indisposto para a tarefa de encher o papel de sinaizinhos pretos. Conclui que não há assunto, quer dizer: que não há para você, porque o assunto deve corresponder certo número de sinaizinhos, e você não sabe ir além disso, não corta a verdade, fica em sua cadeira, assuntando, assuntando...
Então hoje não tem crônica.



                                                                      Carlos Drummond de Andrade

Nenhum comentário:

Postar um comentário