O prendedor verde
Naquela tarde de outono,
ele brilhava ainda mais preso à minha franja ruiva. Minha felicidade era
completa apenas pelo prendedor verde enfeitar minhas madeixas. Ele era feito de
lantejoulas gigantes que ofuscavam e enchiam de alegria meus inocentes olhos
infantis. O ônibus chacoalhava, e eu escutava ao longe a música que tocava no
pequeno rádio junto ao cobrador. Tudo era precário. Nossa pobreza era aparente.
Morávamos distante do centro da cidade. Não tínhamos carro ou casa própria.
Em alguns trechos do
trajeto, a poeira impedia que se visse por onde passávamos. Mas eu era feliz.
Apesar da sujeira, da penúria das roupas, da falta conforto. Eu era feliz. Não
conhecia ainda a deprimência da vida. A aridez de quem sabe mais do que
deveria. Mais do que é verdadeiramente preciso pra ser feliz. A alegria se
resumia ao sol, refletindo o brilho do prendedor verde nos meus cabelos.
Nossa casa era de
madeira de qualidade inferior - Verde - essa sempre foi a cor de predileção de
minha mãe. Os nós da madeira de pinho caíam e criavam furos nas paredes, que meu pai tapava com pedaços de papelão. Eu achava os buracos divertidos, pois
permitiam que eu observasse meus pais quando eles estavam distraídos nos
afazeres domésticos.
Os finais de semana eram diferenciados. Meu
pai levava o lixo para queimar, já que naquela época não havia coleta no bairro
em que morávamos. Íamos caminhando até a beira do valo. Meu pai tomava a
garrafa com álcool e ateava fogo aos entulhos por nós produzidos. Nem suspeitava
da penúria desse gesto. Era só o lixo, pensava.
Foi nessa época que eu
ganhei o prendedor verde. Você nunca poderá entender o que ele significou na
minha vidinha.
No dia em que o ganhei, acordei cedinho. Minha mãe me banhou em uma bacia de alumínio,
pois o chuveiro ficava distante, fora da casa em que morávamos. Era arriscado
tomar um ar gelado e me resfriar. Então o banho foi na cozinha mesmo, dentro da
bacia gigante. Lembro-me de me divertir
com o vapor da água quentinha.
Estava toda animada.
Iríamos sair, compraríamos um presente para minha mãe. Só eu e meu pai. Minha
mãe me arrumou. Faceira, peguei na mão de meu pai e fui. Fui passear. Fui
escolher a blusa mais bonita da loja para dar à minha mãe. E assim foi. Compramos a blusa de lã verde
que eu mesma escolhi. As vendedoras me elogiavam. Diziam que eu era uma menina esperta. Eu
acreditava nos elogios. Eu era feliz.
Estava indo para a fila do pagamento com meu
pai, quando passei por um balcão e fui atraída pelo brilho que emanava do
prendedor verde. Lá estava ele, fulgurante. Desejei ardentemente que ele reluzisse
na minha cabeça. Meu pai não hesitou em me conceder esse desejo. Ele me presenteou
com a peça. Meu pai sempre soube fazer crianças felizes. Também soube como
ninguém,colaborar para me tornar uma adulta infeliz.
Eu o trouxe
embrulhadinho em um saco de papel branco. Em casa, me desfiz dos preços e
pacotes e o grudei nos meus ralos cabelos ruivos. E como fiquei feliz! Isso
você nunca entenderá. A felicidade que advém da falta de oportunidades, aquela
que transforma pequenos acontecimentos em grandes eventos. A felicidade de com
tão pouco ser tão feliz!
Não, eu não viajei à
Europa. Não vesti roupas de grife. Não frequentei clubes sofisticados. Mas por
favor, não desmereça na minha felicidade, pois ela de fato existiu. Apesar da
pobreza, apesar das desfavoráveis circunstâncias. Meu prendedor de lantejoulas
verdes reluziu e refletiu um sorriso repleto de contentamento. Minha alegria foi ingênua.A felicidade me visitou, poucas vezes, é verdade. Entretanto, deixou luminosas saudades enfeitadas pelas recordações do prendedor verde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário