Por que me odeio
Eu me odeio pela minha covardia,
Pela minha normalidade,
Por minha aparência saudável,
Por minha existência pifiamente linear,
Eu me odeio por não embarcar na minha própria viagem, que mesmo que
fosse sem volta, ainda assim faria com que me deslocasse.
Eu me odeio pelo apetite diário
que sinto,
Por salivar diante de um prato de
comida.
Odeio respirar tão calmamente,
sem a sofreguidão que a alucinação pode permitir.
Eu me odeio por não me permitir.
Odeio a claridade que me cega e a
nitidez que embasa meus sentidos
Eu odeio entender o que poderia
me ser oculto e ocultar aquilo que entendo.
Eu me odeio pelo odor de
segurança que exalo, pela saturação, pela acomodação.
Eu me odeio pelo acorde plácido
que produzo, porque não sei desafinar.
Eu me odeio por aqueles que
escolhi me rodearem,
Pelas suas ignorâncias que nada
mais são que uma extensão de minha própria imbecilidade.
Eu me odeio por ter voltado do
transe,
Por ter abrido os olhos,
Por minha língua ter se desenrolado
e tornado a se enrolar na linguagem desprezível do esperado.
Eu me odeio por esperar, por
voltar de onde nunca deveria ter saído.
Eu me odeio por ter existido,
quando na verdade, jamais existi de fato.
Eu me odeio por não ser
invisível.
Eu odeio o cartão de natal, a
festa de aniversário, eu odeio os óculos que me obrigaram a usar.
Eu me odeio pelas lentes
duplicadas que reduplicaram minhas dores.
Eu me odeio, pois meus lábios
sempre foram mais lentos que meu pensamento.
Por que quando minha língua desenrolou, minha mediocridade se tornou
visível.
Eu me odeio por ter sido
diferente quando deveria ter sido igual, e de ter feito igual quando poderia
ter feito diferente.
Eu me odeio por pensar que não
penso. Eu me odeio pelo pronome oblíquo que torna meu mundo estreito e
restringe quem eu seria. Eu odeio o verbo com ideia de ação inacabada, pois ele
sugere que minha dor será eterna.
Eu me odeio por seguir caminhos e
não encurtar minha trajetória encontrando um atalho de desvario.
Eu me odeio pelo bom-senso, pela
falta de mim nas tarefas cotidianas.
Eu me odeio pela maquinaria que
represento, pela engrenagem da qual sou parte.
Eu me odeio por não conseguir
pulverizar minha essência, por não ter competência.
Por isso me odeio. Eu me odeio.
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