“...Depois, a minha frente, o grande Back surgiu em pessoa. Jamais, nem antes nem depois, voltei a ouvir daquela maneira a beleza de uma música nascida de quatro cordas como uma estátua de Miguel Ângelo de um bloco de mármore. Só o meu estado de espírito era novo para mim e foi isso que induziu a olhar para o alto, estático, como a uma coisa novíssima. Em vão lutava para manter a música longe de mim. Em vão pensava,: “Bobagem! O violino é uma sereia e não é preciso que se tenha um coração de herói para fazer os outros chorarem com ele!” Fui assaltado pela música que me prendia. Parecia exprimir todo o meu pensamento e dor com indulgência, mitigando-os com sorrisos e carícias. Mas era Guido quem falava! E eu buscava subtrair-me ao seu fascínio, dizendo: “Para saber fazer isso basta dispor de um organismo rítmico, mãos segura e capacidade de imitação; tudo o que não tenho, coisa que não constitui inferioridade, mas desventura.”
Eu protestava e Back seguia seguro como destino. Apaixonante melodia das cordas altas mergulhava a procura de um basso ostinato que nos surpreendia, não obstante o ouvido e o coração já o pressentirem, dada a sua precisão! Um átimo mais tarde, e o canto se teria dissolvido antes de ser alcançado pela dissonância; um átimo antes, e ela se teria sobreposto ao canto, destroçando-o. Tal não acorria com Guido: não lhe tremia a mão nem mesmo executando Back, o que me deixava em verdadeira inferioridade.
Hoje que escrevo, disponho de todas as provas disto. Não me gabo de ter então percebido o fato com clareza. Na ocasião, estava repleto de ódio e nem aquela música, que eu aceitava como a minha própria alma, conseguiria aplacá-lo. Em seguida, o transcurso da vida comum de todos os dias acabou por anulá-lo sem que eu a isso opusesse qualquer resistência. Compreende-se! A vida vulgar sabe operar tais milagres. Seria horrível se os gênios não se percebessem disso!
Guido encerrou a execução magistralmente. Ninguém aplaudiu exceto Giovanni, e por alguns instantes ninguém quebrou o silêncio. Depois, contudo, senti desejo de dizer algo. Como ousei fazê-lo diante de pessoas que já me haviam ouvido tocar? Era como se meu violino, que em vão anelava produzir uma música assim, se pusesse a criticar o outro, em que - não se podia negá-lo - a música se transformava em vida, luz e luar.
_Magnífico! - disse, num tom mais de concessão que de aplauso - Contudo, não entendo por que no final separou aquelas notas que Back indicou como Legato.
Eu conhecia a Chaconne nota por nota. Foi numa época em que supunha que para progredir, devia enfrentar empresas semelhantes, e durante muitos meses passei o tempo a analisar compasso por compasso de algumas composições de Back.
Senti que os presentes não tinham para mim senão objeção e desprezo. No entanto, continuei, contra toda a hostilidade:
_ Back - acrescentei - é tão discreto na escolha de seus meios que não admite adulteração de tipo.
Eu provavelmente tinha razão, mas era igualmente certo que não teria sabido usar o arco para obter aquelas mesmas adulterações.
Súbito, Guido se mostrou tão despropositado quanto eu. Declarou:
_ Talvez Back desconhecesse a possibilidade dessa expressão. É um presente que faço a ele.
Passava por cima de Back...”
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